Comentário
Como acredito já ter mencionado aqui, do ponto de vista político eu e Nietzsche (o mesmo valendo para Heidegger, que também é para mim uma influência, mas em menor grau) ocupamos lugares opostos, por vezes não acontecendo o mesmo dos pontos de vista ontológico, moral e ético. É sobre estes dois últimos que falarei agora. Vejo o ressentimento em Nietzsche como uma espécie de necessidade psicológica por buscar sentir novamente algo ruim: como se houvesse algum consolo em, uma vez tendo comido algo que faz mal à saúde, vomitar propositadamente, comer o próprio vômito, vomitar de novo e assim por diante. A imagem aqui evocada é obviamente horrorosa, mas é assim que funciona o mecanismo do ressentimento: o sujeito simplesmente não aceita aquele fato ruim como parte de si! É preciso ficar lembrando a si mesmo que se cometeu um erro, seja contra si, seja contra outro. De fato é uma estranha contentação (perdão pelo neologismo) em sentir culpa. Mas isso não seria algo tão ruim assim se estivesse limitado ao âmbito do indivíduo, pois de cada vida individual, naquilo que concerne o indivíduo, este é soberano. O problema é que, por mais que eu observe coisas importantes no Cristianismo (afinal sou Socialista, acredito na Igualdade, e admito que esse conceito possui Cristo inscrito em seu código genético), não consigo não concordar com Nietzsche que determinados aspectos dessa doutrina possuíram resultados catastróficos ao se tornarem a moral dominante, ainda sentidos em nossa sociedade. Tentativa de instauração de um sentimento de “culpa”, institucionalização não-explícita do mecanismo do confessionário, policiamento dos afetos, igualdade compreendida como a necessidade de apagar as diversidades e brutalmente padronizar todos os seres humanos… Para citar apenas alguns exemplos.
O Sentir Novamente, por outro lado, guarda com o Ressentimento como semelhança apenas a necessidade psicológica de sentir novamente algo. Esse algo, entretanto, é algo bom, assim estando de acordo com determinada interpretação do Eterno Retorno nietzscheano (que o autor não teve condições de desenvolver mais profundamente): isto é, os felizes buscam eternamente sentir outra vez aquelas coisas que aumentam seus sentimentos de Potência. O acolhimento dessa doutrina em nossas Vidas talvez possa ser mais facilmente compreendido através da descoberta do Verdadeiro Amor: o desejo de que aqueles momentos de mais puro Amor durem infinitamente. O que faz sentido, pois se Deus não pode ser explicado pela duração ou pelo tempo (pois sempre existiu e sempre existirá), e se nós somos modificações finitas de sua essência, logo sobre tudo que fazemos e somos podemos possuir apenas uma ideia extremamente inadequada de sua duração. Com efeito, o impacto que a experiência do Verdadeiro Amor teve sobre mim foi tal, que fez este outrora Cristão-tornado-agnóstico acreditar novamente em Deus. Desejar que os momentos de alegria durem eternamente é a maior prova de Amor por Deus e por esse princípio norteador chamado Eterno Retorno do Mesmo.
Termino esta seção recomendando a leitura da “Genealogia da Moral”: é terapia pura para o indivíduo (aliás, espero que a mensagem deste disco seja terapêutica também), além de ser importante caixa de ferramentas para a construção de uma Esquerda mais afirmadora, menos ressentida e menos policialesca (apesar de Nietzsche nem de longe ter sido um autor à esquerda da política).

Commentary
For the English-reading crowd: I played with words when I wrote the title for "Re-Sentir". The word "Ressentimento" in Portuguese means Resentment, while Re-Sentir could be translated as "To Feel Again" if the take the dash ( - ) into consideration, or "To Resent". The meaning will become clearer now, I hope. As I believe I have already mentioned here, from the political point of view me and Nietzsche (the same goes for Heidegger, who for me is also an influence, but in a lesser degree) occupy opposite places, but sometimes the same doesn't happen from the ontological, moral and ethical points of view. It's these last two that I'll talk about now. I understand the resentment in Nietzsche as a sort of psychological need for feeling again something bad: as if there was some sort of consolation in, once having eaten something bad for health, intentionally puking it, eating again one's own puke, puking again and so on. The image here elicited is obviously horrifying, but that's how the mechanism of resentment works: the subject simply can't accept that bad fact as a part of her/himself! One needs to be reminding her/himself that a mistake was made, be it against the own subject, or against another. In fact it is a strange contentment in feeling guilt. But this wouldn't be something that bad if it were limited only to the individual field, for in every individual life, in those things that concert the individual, this one is sovereign. The problem is that, even though I observe important things in Christianity (after all I'm a Socialist, I believe in Equality, and I admit that this concept possesses Christ written in this genetic code), I cannot not agree with Nietzsche that certain aspects of this doctrine had catastrophic results, still felt in our society, when they became the dominant morale. An attempt of establishing a feeling of "guilt", non-explicit institutionalization of the confessional mechanism, policing of the affections, equality inderstood as the need to erase diversities and brutally standardizing all the human beings... Just to quote a few examples.
Feeling Again, on the other hand, resembles Resentment only the fact that it is a psychological need to feel something again. This something, however, is something good, thus being in accordance with a certain interpretation of the nietzschean Eternal Recurrence (which the author had not conditions of developing more deeply): that is, the happy ones seek to eternally feel once more those things that boost her/his feelings of Potency. The acceptance of this doctrine in our Lives may be best made through the discovery of True Love: the desire that those moments of the most pure Love last infinitely. Which makes sense, because if God cannot be explained through duration or time (for It has always and will always exist), and if we're finite modifications of Its essence, then we can only have an extremely inadequate idea of the duration of everything we do and are. Indeed, the impact that the experience of True Love had on me was such, that it made this former Christian-turned-agnostic belive once again in God. Wishing that the moments of happiness last forever is the greatest proof of Love for God and for this guiding principle called Eternal Recurrence of the Same.
I now finish this section recommending the reading of "On The Genealogy of Morality": it's pure therapy for the individual (by the way, I hope this record's message is therapeutic as well), besides being an import toolbox for the construction of a more affirmative, less resented and less police-like Left (despite the fact that Nietzsche was not by a damn sight an author to the left of politics).